Zero Hora — Como nasceu o Femen?
Alexandra Shevchenko — Começamos em 2008, mas não usávamos topless. Queríamos fazer algo pelas mulheres na Ucrânia. Havia algumas organizações, mas não eram ativas. Os movimentos feministas que foram ativos há 20 ou 30 anos agora estão mortos. Eles não atraem a nova geração, e queríamos criar algo interessante e compreensível para elas. A principal ideia é ser mulher. Queremos enfatizar a beleza, mas não dar essa beleza para que os homens a usem. Tudo depende de quem é o senhor do seu corpo, você ou algum homem. No início, protestávamos com balões e cartazes, mas vimos que teríamos de fazer algo mais radical. Foi aí que surgiu a ideia do topless.
ZH — Como você definem o feminismo do Femen? Há algum referencial?
Alexandra — A nossa estratégia é o sextremismo. Essa é a nossa criação. Não temos inspiradoras. As feministas clássicas não nos inspiram de forma alguma. Este é um novo tempo, e precisamos de uma nova onda de feminismo e novos métodos. As mulheres anônimas são a nossa inspiração. Podemos escolher uma mulher em qualquer país e veremos que elas sofrem de problemas semelhantes. Há algumas especificidades, mas os problemas de fundo são os mesmos: ditaduras, religião ou indústria do sexo. Não há país no mundo em que as mulheres estejam totalmente livres.
ZH — Não é uma contradição protestar contra a imagem da mulher como objeto sexual mostrando os seios?
Alexandra — Claro que não. Queremos mostrar que o corpo da mulher pertence à mulher. Queremos mudar esse significado que se dá ao corpo da mulher. É a sociedade masculina que faz a imagem obscena, que faz da mulher um instrumento.
ZH — Vocês lançaram em abril a campanha "Jihad de Topless" e receberam muitas críticas, inclusive de muçulmanas. Vocês vão continuar com essa ideia?
Alexandra — Não fomos surpreendidas. Já quando começamos o Femen na Ucrânia, sabíamos que haveria uma histeria na sociedade na qual não só o homem representa o patriarcalismo, mas também as mulheres representam. Sabíamos que haveria mulheres que não queriam que protestássemos por elas. Isso é uma confirmação de que são escravas. Quando eu tinha 18 anos, dizia "não sou discriminada, nunca fui estuprada ou agredida. A minha vida está bem, quero ter família e ser bonita. Esse é meu desejo". Mas, depois, entendi que posso escolher entre ser livre ou estar nas mãos do patriarcalismo. Há muitas mulheres contra o Femen porque não sabem o que significa ser livre. Queremos ouvir o que pensam as que ficam em silêncio. Você consegue imaginar a quantidade de mulheres que talvez nunca vejam um protesto nosso se não formos a pequenos vilarejos?
ZH — Vocês irão até elas?
Alexandra — Sim, iremos. Já temos ativistas em países muçulmanos, como Amina Tyler (tunisiana, que foi perseguida por postar fotos nos Facebook de topless e com mensagens contra o Islã) e Alia al-Mahdi (blogueira egípcia que protestou nua contra a lei islâmica). Recebemos muitas fotos de muçulmanas que nos apoiam. Algumas pessoas dizem que feminismo já não é necessário, mas esquecem das mulheres nesses países, na Índia, na África, na América Latina...
ZH — O que você sentiu quando Putin disse que gostou do protesto?
Alexandra — No momento em que pude olhar nos olhos dele e ver que ele estava olhando nos meus, me senti feliz. Milhões de pessoas ao redor do mundo gostariam de gritar e protestar olhando diretamente nos olhos dele. Finalmente, alguém fez, e fui eu. A avaliação que faço de quando ele disse que ele gostou é de que ele mentiu. Às vezes, as pessoas acreditam nisso e não analisam que um ditador não pode gostar de protestos.
ZH — Você acredita que a sua mensagem é ouvida quando se luta contra tantas coisas?
Alexandra — A nossa meta é uma só, destruir o patriarcalismo. Então, para isso, queremos destruir as ditaduras, a opressão política, queremos combater também a ditadura religiosa e a ditadura da indústria do sexo. Há conexões entre essas questões.
ZH — Como vocês se financiam?
Alexandra — Com as vendas na internet e também com doações. É difícil acreditar, eu sei, mas vivemos com muito pouco porque somos entusiastas, malucas. Estou morando na Alemanha agora e não tenho um apartamento meu para viver. Moro no apartamento das ativistas. E vou confessar algo. Não pago metrô. Acho muito caro. Às vezes, corro dos fiscais porque não tenho dinheiro.
ZH — Não dá vontade de rir durante os protestos?
Alexandra — Conversamos muito com as ativistas. Queremos que a pessoa entenda que essa é uma luta real. Se a pessoa acha que não pode, que não está pronta, ela desiste. Mas algumas entendem que estão prontas até para ser presas, para ser agredidas por algum neonazista. Não há como rir quando se está correndo em direção a Putin porque ele está mandando prender inimigos.
ZH — Há alguma restrição física para participar? Nas fotos, as mulheres são em geral muito bonitas.
Alexandra — Só temos uma restrição para as pessoas participarem dos protestos que é estar pronta moralmente e fisicamente para nossas ações. Não interessa a cor, idade ou tamanho do seio. Se não sou capaz de subir no topo de um carro e o protesto é esse, não posso participar.
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