Femen Brazil: ativismo ou marketing?

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25 de Agosto de 2012 - 16h19

Quem examina posições e práticas do grupo percebe que, por trás da aparência rebelde, estão práticas conservadoras, antifeministas e homofóbicas

Por Marília Moschkovich, editora de Mulher Alternativa
A primeira vez que ouvi falar do Femen, achei-as no mínimo bem-humoradas. As militantes ucranianas utilizavam-se da nudez em protestos públicos. Ganharam a mídia da Ucrânia e a imprensa internacional com facilidade. Em seguida, vieram informações de que ainda que haja mulheres de outros tipos físicos na organização, sãos as loiras, brancas e com corpos “de gostosa” que ficam nuas. Segundo essa informação que chegou, essa “seleção” é uma estratégia (que parece ter funcionado muito bem) para chamar a atenção. Por mais que eu e tantas outras feministas questionássemos e discordássemos desta estratégia, ainda considerávamos que na conjuntura da Ucrânia – em que nenhuma de nós é muito expert – talvez esta linha de atuação fizesse mesmo mais sentido. Respeitar a autonomia dos diferentes grupos de militância em seus locais é sempre uma boa pedida.

Há alguns meses ouvimos falar que uma brasileira estaria trazendo o Femen para cá. Mantivemos as orelhas em pé, afinal de contas, podia ser um grupo aliado importante em muitas causas. Era preciso esperar para ver. Porém, Sarah Winter, a jovem mulher que começou a despontar na mídia de massas e na blogosfera como “o Femen no Brasil”, não me passou lá muita segurança. Ainda era cedo pra dizer qualquer coisa, para chegar a qualquer conclusão. Esperemos. Então ela começou a se pronunciar sobre vários assuntos, em programas de tevê, reportagens jornalísticas, etc. A quantidade de material reunido, para mim, passou então a ser suficiente para formar uma opinião, que compartilho aqui com vocês.

Antes de dizer qualquer coisa, quero deixar claro que vou me restringir a falar do Femen enquanto grupo e da atuação de Sarah como “cara do Femen no Brasil”. Não me interessa o que ela fez antes na vida; não me interessa o que ela faz em sua vida pessoal; não estou discutindo sua história, simplesmente porque nem a conheço bem o suficiente para isto, nem tenho provas concretas de nada – apenas especulações e rumores, embora sejam bem preocupantes. Este texto é sobre o Femen Brazil (com zê) e sobre declarações feitas por ela em nome do grupo enquanto representante.

Toda a fúria, fervor e horror das pessoas ao descobrirem posicionamentos políticos (ainda que passados) de Sarah ligando-a a ideias nazifascistas, infelizmente não chegam aos pés da reação geral sobre declarações racistas e homofóbicas. O que mostra claramente que, mesmo entre a militância feminista, humanitária e de esquerda, no Brasil (com esse), ainda temos um longo caminho a percorrer. Sarah declarou, em entrevista, que “as ucranianas têm genes privilegiados”. Disse, ainda, que muitas destas militantes, “descontentes” com o que homens fazem, “viram lésbicas”. Espero que, como imagino, eu não precise explicar a vocês qual é exatamente o problema nestas afirmações e onde elas são racista, uma, e homofóbica, a outra.

Algumas pessoas questionam se podemos julgar tais falas de Sarah Winter como representativas do Femen Brazil (com zê), já que, para traçar um paralelo, eu não falo (e nem ninguém) em nome das Blogueiras Feministas. Há uma diferença gigantesca aí, porém. O Femen Brazil é um grupo que ela está começando, sozinha; que tem processo seletivo (ela escolhe quem vai participar), uma estrutura hierarquizada, uma linha de atuação política que já veio pré-determinada pelos moldes do grupo ucraniano. As Blogueiras Feministas são um grupo autogestionado, horizontal, de associação livre, sem qualquer estrutura interna hierárquica. Não existe uma líder das Blogueiras Feministas, e nós somos um grupo que contempla pessoas tão diferentes entre si quanto Hailey Kaas, Luciana Nepomuceno e Lola Aronovich. Os feminismos das Blogueiras Feministas são tão diversos quanto as pessoas que integram o grupo, e há espaço (embora jamais livre de embates e disputas – que bom!) para todos eles. Há quem tire a camiseta na Marcha das Vadias e caminhe ao lado da Tambores de Safo na abertura da Rio+20, mas há quem seja contra este tipo de ação e ache uma melhor estratégia escrever lindamente do cantinho da sua casa. Somos toda válidas, somos todas feministas. É impossível, porém, que o discurso de uma de nós seja o discurso unânime do grupo. O caso do Femen Brazil (com zê) não parece ser o mesmo, nem de longe. Quando Sarah Winter faz, já associada ao grupo, declarações racistas e homofóbicas como estas, é razoável direcionar tais críticas ao incipiente grupo de militância e ação política.

Outro problema grave do Femen Brazil, na minha opinião, é a tentativa inicial de copiar o molde ucraniano e colar na realidade brasileira. Querer discutir tráfico de pessoas no Brasil sem falar da questão racial, por exemplo, é uma grande roubada, além de reproduzir um outro tipo de racismo – aquele que “apaga” a desigualdade racial e torna a pessoa branca em “pessoa universal”, configurando uma violência simbólica perversa.

O Femen Brazil, porém, não é o único grupo feminista ao qual tenho críticas quanto à atuação e defesa de certas ideias. Há grupos feministas racistas; há grupos feministas cissexistas; há grupos feministas homofóbicos; há grupos feministas moralistas. Por que então falar do Femen Brazil, em especial? A resposta é simples. Sem sequer existir direito, o Femen Brazil tem tido uma atenção excepcional da mídia e da sociedade brasileira em geral. A estratégia das ucranianas parece ter funcionado neste sentido. O problema é que a mídia não tem se mostrado preparada para tratar este grupo como o que ele realmente é: um grupo feminista, entre tantos grupos, de tantos feminismos.

O feminismo – e isso que o Femen Brazil (com zê) chama de “neofeminismo” – já existem há muito tempo. Dentro deste espaço de militância, aliás, nada do que o Femen Brazil tem feito pode ser considerado “novo”, “original” ou até mesmo “progressista”. Sua atuação está muito mais para uma ação de marketing (pessoal, talvez) do que para qualquer reivindicação que transforme de fato a sociedade. Isto não é feminismo.

Fonte: Blog Outras Palavras

Via: vermelho.org.br


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