Inna Shevchenko: "Os liberais têm de ganhar esta luta!"

Inna Shevchenko estava no centro cultural de Copenhaga no dia do ataque. Na altura, a líder do movimento feminista FEMEN disse não ter visto “nada” mas, uma semana depois, recorda ainda com exatidão o som das balas a serem disparadas.

Num artigo de opinião publicado esta quinta-feira no jornal britânico Huffington Post, Inna relembrou o momento em que o seu discurso foi interrompido pelo som de uma Kalashnikov. “Estava à espera de um pequeno evento”, escreveu. “Estava enganada em relação a tudo”. “O evento não foi pequeno e Copenhaga não voltou a ser a mesma depois daquela conferência”, acrescentou.

A feminista ucraniana, conhecida pelos protestos em topless, era uma das oradoras convidadas num debate organizado na capital dinamarquesa sobre arte e liberdade de expressão. As conferências, em honra do jornal francês Charlie Hebdo, foram interrompidas quando um jovem de 22 anos disparou contra o edifício, matando dois civis e ferindo três polícias.

Menos de uma semana depois do ataque, Inna considerou que agora — mais do que nunca — é preciso gritar “mais alto do que o som das balas” e defender a liberdade de expressão. E deixou um apelo a todos os liberais: “temos de ganhar esta luta”.

Leia aqui o artigo de opinião na íntegra:

Enquanto preparava as minhas notas no meu quarto de hotel, algumas horas antes da conferência sobre a liberdade de expressão em Copenhaga, pensava no que deveria dizer aos dinamarqueses sobre o assunto. Será que devo apenas partilhar algumas das minhas experiências e as consequências horríveis da nossa luta em países “não-democráticos”, como a Ucrânia, a Rússia, a Bielorrússia ou a Tunísia, que serão fáceis de compreender? Ou será que devo ser honesta e questionar a liberdade na Europa? Será que os dinamarqueses estão preparados para o meu ceticismo?

Estava à espera de um pequeno evento e tinha a certeza de que o público não ia ver com bons olhos a minha análise da liberdade de expressão na Europa. Mas estava enganada em relação a tudo. O evento não foi pequeno — foi importante — e Copenhaga não voltou a ser a mesma depois daquela conferência. Tenho a certeza de que, no fim, todos conseguiram compreender porque é que digo tantas vezes que a total liberdade de expressão é uma ilusão, até em países supostamente democráticos.

A primeira vez que ouvi ou termo “liberdade de expressão” foi durante a chamada “Revolução Laranja”, que ocorreu na Ucrânia em 2004. Foi relativamente tarde, tendo em conta que era já uma adolescente, mas o termo nunca me tinha sido mencionado antes. Foi um período muito importante para a Ucrânia. As pessoas começaram a acreditar num regime democrático, e conceitos como a “liberdade de expressão”, que podem parecer muito básicos na Europa Ocidental, eram mendigados em cada esquina de cada rua. Mas esta euforia não durou muito e rapidamente percebemos que as nossas esperanças não passavam de um engano. As nossas expectativas por uma mudança social drástica foram substituídas por um sentimento constante de deceção, que se refletiu nas eleições de 2010, nas quais foi eleito o ditador Yanukovich.

Naquela altura, estava a trabalhar como jornalista, e acreditava ingenuamente que havia liberdade de expressão na minha profissão. Contudo, depressa me apercebi de que não era bem assim — podíamos falar da liberdade de expressão, mas não podíamos usufruir dela. Criticar o governo, os oligarcas poderosos ou as ligações profundas que existiam entre a Igreja e o poder político, era simplesmente proibido. É por isso que, rapidamente, me tornei ativista. Se, por um lado, o jornalismo não me permitiu gozar a liberdade de expressão, por outro, enquanto ativista do FEMEN, fui presa, recebo ameaças todos os dias, fui espancada regularmente e cheguei até a ser torturada na Bielorrússia.

Tive de deixar o meu próprio país para poder usufruir da liberdade de expressão.

Contudo, apesar de tudo isto parecer compreensível, só o é porque os países de que falo não são democraticamente estáveis ou porque estão muitas vezes ligados à violência política e à corrupção. Provavelmente pensa que isto não existe no sítio onde vive e muitos irão discordar se disser que, muitas das vezes, quando pensam que podem usufruir da liberdade de expressão estão a pensar numa ilusão. Infelizmente, esta é a triste verdade.

Quando falamos da liberdade de expressão, esta será sempre a opinião predominante: “sim, todos concordamos com a liberdade de expressão, mas…” Porque é que ainda dizemos “mas”?

Foi aqui que as minhas palavras foram interrompidas por dezenas de tiros de Kalashnikov, durante o painel sobre a liberdade de expressão no centro cultural de Copenhaga. Assim que ouvi o som mortífero das balas a serem disparadas do outro lado da porta, num espaço de segundos, escondi-me debaixo do palco. As pessoas da audiência esconderam-se desesperadamente debaixo das mesas e noutros locais. No espaço de segundos, estava escondida debaixo do palco, a ouvir o som mortífero das balas a serem disparadas atrás da porta. Alguns permaneceram nos seus lugares, provavelmente com dificuldades em admitir o que estava a acontecer. Quando a saída de emergência foi aberta, começámos a correr para o exterior, ao som dos tiros que eram ainda disparados.

Mais tarde, depois da evacuação, uma jovem veio ter comigo à esquadra da polícia e disse me “obrigada por tudo. Estou tão orgulhosa por estar com vocês nesta luta. Hoje vi o quanto precisamos disso, até mesmo aqui”.

Sim, precisamos. Principalmente agora. Precisamos de gritar os nossos ideais, sem hesitações e sem dizer nenhum “mas”. Hoje, ao som do tiroteio que oiço ainda à minha volta, recebendo constantemente ameaças de morte, percebo que, agora, são eles ou nós. Tenho medo, mas temo ainda mais render-me perante aqueles que são guiados pelos dogmas e que respondem com o apontar de uma arma a uma opinião diferente. Temos de ganhar esta luta. Porquê? Simplesmente porque temos razão. Não precisamos de armas para provar que estamos certos. As nossas ideias são fortes o suficiente.

A total liberdade de expressão significa respeitar os interesses de todos, quer estes sejam religiosos ou não, de esquerda ou da direita. Todas as opiniões são bem-vindas, mas é preciso também saber respeitar a opinião dos outros.

Não chega condenar apenas a violência do terrorismo. É também preciso ter consciência das nossas próprias responsabilidades e saber reconhecer os nossos erros. Não defender os nossos ideais liberais seria um crime. Não devemos cair na ratoeira da auto-censura e impor limites a nós próprios para evitar “ferir os sentimentos de alguém”.

Se acredita que a liberdade de expressão não deve ofender os outros, então não acredita na liberdade de expressão de que falo. Por exemplo, são muitas as pessoas que, pelas suas próprias razões, se sentem ofendidas pelo facto de os gays terem os mesmos direitos do que eles. Foi exatamente esta a explicação dada pela Federação Russa na altura em que foi adotada a lei homofóbica que proibiu a “propaganda gay”. Assim, acredito que agir para “não magoar os sentimentos de alguém” acaba apenas por restringir a liberdade de expressão dos outros.

Sim, existem limites, que dizem respeito a quando alguém pode ser magoado. É ai que a celebração da liberdade de expressão termina e começa o crime. Os outros motivos não deveriam ser uma razão para não nos rirmos, falarmos, gritarmos a propósito do nosso mais precioso direito — a liberdade de expressão. Ao ficarmos em silêncio, ao não expressarmos os nossos ideias liberais, estamos automaticamente — mesmo que inconscientemente — a por em perigo aqueles que têm coragem para falar.

É assim que artistas como os do Charlie Hebdo, Raif Badawi e muitos outros, se tornam alvos. Estão demasiado visíveis no meio de todos os outros que preferem não publicar certos desenhos, não se expressar, não escrever, não protestar. Por isso, os governos não deveriam tentar parar ou proibir – com o pretexto da segurança — eventos dedicados à liberdade de expressão ou à blasfémia, desenhos, manifestações, livros, etc. Isso só significaria entrar no jogo dos terroristas. Significaria que desistimos. Em vez disso, deveríamos ter mais segurança e mais visibilidade nestes.

Mesmo que não concorde comigo ou que permaneça cético, deixe-me assegurá-lo de que o medo nunca é a solução e de que nunca salvou vidas.

Peço a todos os liberais que se juntem nesta luta ideológica. Chegou o momento de defender o pluralismo dos dogmas, os desenhos, os livros e as manifestações pacíficas das Kalashnikovs, o laicismo do domínio religioso.

Caros terroristas, é a nossa vez de vencer. Não existe espaço na esfera pública para exigências religiosas. Vocês estão a ser condenados e rejeitados pela vossa própria comunidade, por pessoas que acreditam no mesmo deus que vocês. Vocês perderam.

Liberais, tornemos as nossas vozes mais altas que o som das balas!

Vamos ganhar esta batalha.

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Via: observador.pt


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