PARIS - Um prédio histórico parisiense em estado de abandono, de meados do século XIX - descrito pelo escritor Émile Zola em seu romance "A taberna" (1876) - se tornou nesta semana a base estratégica de um polo de formação internacional para mulheres ativistas do mundo inteiro. Situado no bairro popular Goutte d'Or, o teatro Lavoir Moderne Parisien, ameaçado de interdição pelas autoridades municipais, passou a acolher oficialmente a sede do grupo feminista Femen, conhecido por suas aguerridas ações de rua contra a exploração sexual das mulheres, os governos totalitários e as instituições religiosas. A principal arma de suas militantes são os seios nus, a pele pintada com slogans em defesa de suas causas, e a cabeça adornada por uma coroa de flores. Semidespidas e aos gritos de palavras de ordem, as ativistas ambicionam acabar com a "dominação mundial do patriarcado". Para cumprir com a sua missão, contam com alguma disciplina e bastante treino.
As Femens surgiram na Ucrânia, em 2008, se tornaram célebres por suas performances internacionais - e também por suas detenções -, e ganharam filiais em diversos países, inclusive no Brasil. Inna Shevchenko, 22 anos, poderia ter sido mais uma bela jovem do Leste Europeu a tentar uma carreira de sucesso como modelo. Mas, em vez do glamour das passarelas, optou por desfilar seu corpo nas ruas. Principal líder do grupo, ela, que já perdeu a conta de quantas vezes foi presa - "mais de 50", diz -, assume a tática provocadora do grupo e justifica sua forma de luta:
- Nossa nudez é uma força, é agressiva, a usamos para atacar, para que os homens tenham medo de nós, para assustá-los. Quando tiro minha blusa, atraio o olhar masculino, mas revelo uma mensagem escrita no meu corpo. Nós fazemos um terrorismo pacífico. O estilo Femen é um spam mundial da voz das mulheres.
Inna exilou-se em Paris no mês passado, por receio da vigilância das forças de segurança na Ucrânia. Da capital francesa, pretende expandir a globalização do movimento, com uma maior atenção para o aperfeiçoamento da práxis. A formação militante Femen terá etapas de treinamento físico (que ensina a cair sem se machucar e a escapar de chaves de braço); emocional-psicológico (para suportar um período de detenção); performático (com ensaio dos protestos e aulas de como se comportar diante das câmeras da imprensa); teórico (debate de temas da atualidade para definir a escolha de alvos) e ensino de idiomas.
A francesa Eloise Bouton, 29 anos, aderiu ao grupo após testemunhar, em novembro do ano passado, a ação das militantes diante da residência do ex-diretor-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI) Dominique Strauss-Kahn (acusado de estuprar uma camareira num hotel em Nova York) em Paris.
- Considerei pertinente desnudar o corpo para veicular ideias feministas. Achei algo inovador e progressista. Aquilo me atraiu. Eu me disse que era o que faltava, o elo entre corpo e espírito. Mesmo em países democráticos ainda somos muito conservadores em relação a isto.
Segundo as organizadoras, cerca de 30 francesas, além de uma holandesa e uma americana, já contataram o Femen para participar da primeira turma do curso de treinamento.
Em dezembro de 2011, após uma manifestação de seios nus em defesa de presos políticos diante da sede da polícia secreta da Bielorrússia, uma das piores ditaduras do planeta, três ativistas do Femen, entre elas Inna Shevchenko, foram detidas e levadas para um bosque. Segundo o relato da líder do grupo, permaneceram por 20 horas incomunicáveis, tiveram seus cabelos cortados com uma faca, e gasolina despejada sobre seus corpos. Ao final, foram abandonadas com vida em pela floresta.
- A cada dez minutos eles diziam que seríamos mortas, mas que antes iriam se divertir conosco. E se divertiram. Foi a minha pior experiência como ativista, mas também foi, pessoalmente, o melhor momento da minha vida. Sei que pode parecer estranho dizer isto. Mas é porque compreendi que não havia dúvida em mim sobre a minha escolha. Não me imagino sem a militância.
Short link: Copy - http://whoel.se/~6KorX$1gU